Tudo é motivo de admiração. Já o era antigamente quando sem ter consciência parava para observar os seres estranhos que me rodeiam nos transportes públicos ou em todos os lugares também estranhos onde tenho de ir diariamente. Tudo começou um dia em que saí do banho e, à medida que a névoa que me afastava do espelho se dissipava, comecei a questionar-me com admiração certos traços que tinha no rosto e aos quais nunca tinha prestado atenção. Certamente tinham-me acompanhado pelo menos nos últimos anos, mas escava sempre usando a desculpa dos adultos, a eterna falta de tempo.
A partir desse dia deixei de levar as coisas demasiado a sério e começando a não pensar tanto, e a fazer o meu dia tendo em atenção todas as pessoas à minha volta. De repente o mundo tornou-se o quadro vivo de um museu ainda mais vivo que tenho oportunidade de ver, sem pagar, por se tratar de algo a que por e simplesmente chamamos vida. E o quadro que eu admiro todos os dias fervilha dessa vida, cheia de altos e baixos, caras sorridentes e apáticas, pessoas a pensar e outros a fazerem precisamente o contrário. Toda a espécie de indivíduos de todas as formas, cores, feitios, raças, etnias e estratos sociais.
Onde tinham estado todas estas pessoas, que só agora via? Onde é que eu tinha andado? Porque é que não tinha acordado para esta realidade mais cedo?
Passei a ter como rotina de começo de dia o espelho. Não por uma questão de futilidade mas para admirar o quanto tinha desperdiçado de mim ao longo dos últimos anos. Já nem me conseguia reconhecer quanto mais estar a par do que aqueles que significam algo de especial para mim. Que traços estranhos... e este sinal? Será que sempre o tive aqui?
Saio para os cheiros da rua, e sou atraído para a paragem como os ratos para o flautista de Hamelin, ficando cuidadosamente à espera dessa máquina gigante que tem como função levar-me até outra máquina que me leva ao emprego. E estas máquinas? Sempre aqui estiveram desde que me conheço, mas como fariam antigamente as pessoas quando viviam num determinado lugar e tinham de se deslocar no mesmo dia à outra margem do rio? Seria possível a volta que tinham de fazer para chegarem no mesmo dia? Hoje tudo é facilitado, e nem por isso as pessoas o admiram. Devia haver um apagão daqueles que ficássemos às escuras durante um tempo. Acho que neste caso teria de comprar sal, para conseguir guardar os alimentos que tenho no congelador, mas mesmo assim, seria bom haver um pouco de caos, e darmos mais valor ao nosso meio circundante, em vez de estarmos constantemente a circundá-lo.
Quando sair daqui irei pensar no mesmo no caminho para casa. Até lá, espera-me trabalho. E como o admiro. Significa rendimento, companhia, objectivos, amigos, caras conhecidas, pessoas brutas, rancorosas e ranhosas. Mas preciso de todos eles, elas, sentimentos e objectos para dar o melhor de mim.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
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